Q61068 - texto associado
Para responder às questões de 1 a 10, leia atentamente o trecho da reportagem "Não adianta só pedir desculpas", escrita por Carol Ito e Nathalia Zaccaro para https://revistatrip.uol.com.br. Nesta reportagem, diversas personalidades afro descendentes refletem sobre o racismo estrutural brasileiro e, dentre eles, escolheu-se o trecho da atriz brasileira Taís Araújo:
Ter certeza de que você não é racista é um clássico brasileiro. A convicção de que por ter amigos negros, escutar rap ou adorar a Bahia você nunca poderia ser preconceituoso é um sinal do quão estrutural é o racismo no Brasil. Existe uma dificuldade enorme em se perceber racista porque esse tipo de comportamento está enraizado na cultura e na identidade do povo brasileiro.
O preconceito é cotidiano, naturalizado e defendido muitas vezes como apenas uma brincadeira. E vemos esse padrão se repetir seguidamente, seja em uma festa em que o cenário evoca um Brasil escravocrata, seja em declarações discriminatórias ditas livremente em um programa como o Big Brother Brasil. Convidamos pessoas que simbolizam a luta contra o racismo estrutural a nos contar sua visão a respeito de acontecimentos como esses. Como mudar essa realidade?
Taís Araújo - Atriz, 40 anos "O racismo estrutural é das coisas mais complexas do Brasil. Chegar em um restaurante e só ter negros trancados numa cozinha e nunca desfrutando de um prato de comida. Ver os presídios lotados de maioria esmagadora negra e achar isso natural. Ver os manicômios com maioria negra e achar que tudo bem. A maioria das pessoas em situação de vulnerabilidade são negras e você não se incomoda. A maioria das mulheres assassinadas, vítimas de violência doméstica, são negras. A maioria dos jovens assassinados são negros. São coisas que são naturalizadas porque o Brasil é construído em cima desse racismo.
A primeira coisa a fazer é reconhecer isso, olhar com crítica e reverter a situação. Mas como a gente reverte?
Acredito que são com políticas públicas — educação e saúde pública de qualidade, por exemplo —, porque é muita gente em situação de vulnerabilidade. Precisamos atender essa sociedade que está marginalizada desde a abolição da escravatura. A gente precisa conhecer nossa história verdadeira, porque o que aconteceu foi uma pressão ferrada da Inglaterra para ter público consumidor e o Brasil foi o último país a abolir a escravidão. A abolição aconteceu e os negros ficaram à margem, sem saúde, educação, emprego, nada. Isso deságua no país desigual que temos hoje. Não conhecemos nem nossa própria história. A gente tem que se envergonhar, se conscientizar e trabalhar para mudá-la.
Já me pronunciei algumas vezes sobre racismo estrutural. Uma vez uma marca de roupa fez uma estampa que remetia ao período escravocrata do Brasil e isso é inadmissível. Não dá para romantizar, não tem que estar na decoração, não é brincadeira, não é romântico, não foi bonito. O Brasil tem uma tendência de transformar o período da escravidão em romance, quando na verdade as pessoas foram sequestradas, traficadas, mortas e torturadas. A outra vez que me pronunciei foi no caso da Donata Meirelles, porque não foi legal. São pessoas que sabem o valor da imagem, mas é tão estrutural que elas não conseguem perceber e isso é muito grave. Percebo (e quem tem a cor da minha pele percebe) porque bate direto na minha história, no meu sangue, de quem veio antes de mim. O racismo estrutural é péssimo para a gente, mas é péssimo para o país também. O Brasil inteiro perde."