Questões de Português para Concurso da CPTM

Q27231 - texto associado

Por favor, use esta palavra para mudar São Paulo



Voltava das férias quando deparei com artigo escrito pela jornalista italiana Michela Proieti, do jornal Corriere della Sera, no qual descrevia a preocupação dela pelo quase desaparecimento de algumas palavras em nosso vocabulário. Com o título “Por que não dizemos mais por favor”, Proieti enxerga, na ausência de algumas expressões, a explicação para o comportamento individualista, competitivo e pouco educado da sociedade. O texto me levou a refletir sobre a cidade que encontraria ao fim de algumas horas de voo. Chegaria a São Paulo em um domingo pela manhã, estratégia para escapar do trânsito absurdo que somos obrigados a enfrentar toda vez que desembarcamos no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Fosse durante a semana, no caminho de casa, encontraria congestionamento, riscos e tensões de tal dimensão que boa parte do legado das férias estaria desperdiçada. Não escapei, porém, da debandada de passageiros do avião, do brete para o qual são todos levados na Imigração, do avanço às malas que circulam nas esteiras e da cara amarrada do caixa no free shop. A todos cumprimentei e sorri, demonstrando o prazer daqueles dias de descanso; poucos retribuíram. O rapaz da loja de importados pareceu surpreso quando estendi a mão para cumprimentá-lo.

Preste atenção nas conversas com colegas e demais pessoas com as quais você é obrigado a interagir. Perceberá que “por favor” é bicho em extinção nos diálogos do cotidiano. Pesquisas mostram que além desta, “gratidão” e “prudência” também aparecem cada vez menos. Agora pense com que frequência dizemos e ouvimos “eu quero”, “eu posso” e “eu faço”, conjugando todos os verbos na primeira pessoa do singular, como se a vida só fizesse sentido se eu estivesse em primeiro lugar. Este cenário vai ao encontro da conclusão do trabalho de três pesquisadores (Jean M. Twenge, W. Keith Campbell e Brittany Gentile), citado em artigo do colunista David Brooks do jornal americano The New York Times. Com base na prateleira do Google que tem mais de 5,2 milhões de livros, eles descobriram que entre 1960 e 2008 expressões individualistas ofuscaram as com caráter comunitário. Em quase 50 anos, frases com “família”, “tribo”, “coletivo” e “bem comum” perderam espaço para “personalizado”, “próprio” e “único”. Não bastasse isso, as irmãs britânicas Pelin e Selin Kesebir, ao selecionarem expressões relacionadas à excelência moral e virtude, nos livros em inglês, editados entre 1901 e 2001, constataram declínio esmagador no uso de palavras como “caráter”, “consciência”, “dignidade” e “retidão”. O discurso contemporâneo revela o paradoxo que vivemos no ambiente urbano, no qual a sensação de se viver em comunidade se esvai por mais que estejamos aglomerados em prédios e conjuntos residenciais. Se o resultado disso é a forma conturbada e egoísta com que nos relacionamos, por que não começamos a mudar a vida da cidade pelas palavras? Assim que terminar essa leitura, cumprimente quem passar por você na calçada, apresente-se àquele rapaz que lhe dá bom dia na chegada ao trabalho, peça licença para entrar e dê licença para o pedestre que precisa atravessar. Se houver alguém no elevador quando a porta abrir, tire os olhos do smartphone por alguns instantes apenas. Aproveite para perguntar ao vizinho se está tudo bem. Aliás, boa oportunidade para saber o nome dele. No trânsito, na escola, no escritório ou na padaria, a qualquer momento do dia, abuse do “obrigado” e do “por favor”. Faça isso por nós e por São Paulo, por favor!



Milton Jung

Disponível em: http://epoca.globo.com/

Q27230 - texto associado

Por favor, use esta palavra para mudar São Paulo



Voltava das férias quando deparei com artigo escrito pela jornalista italiana Michela Proieti, do jornal Corriere della Sera, no qual descrevia a preocupação dela pelo quase desaparecimento de algumas palavras em nosso vocabulário. Com o título “Por que não dizemos mais por favor”, Proieti enxerga, na ausência de algumas expressões, a explicação para o comportamento individualista, competitivo e pouco educado da sociedade. O texto me levou a refletir sobre a cidade que encontraria ao fim de algumas horas de voo. Chegaria a São Paulo em um domingo pela manhã, estratégia para escapar do trânsito absurdo que somos obrigados a enfrentar toda vez que desembarcamos no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Fosse durante a semana, no caminho de casa, encontraria congestionamento, riscos e tensões de tal dimensão que boa parte do legado das férias estaria desperdiçada. Não escapei, porém, da debandada de passageiros do avião, do brete para o qual são todos levados na Imigração, do avanço às malas que circulam nas esteiras e da cara amarrada do caixa no free shop. A todos cumprimentei e sorri, demonstrando o prazer daqueles dias de descanso; poucos retribuíram. O rapaz da loja de importados pareceu surpreso quando estendi a mão para cumprimentá-lo.

Preste atenção nas conversas com colegas e demais pessoas com as quais você é obrigado a interagir. Perceberá que “por favor” é bicho em extinção nos diálogos do cotidiano. Pesquisas mostram que além desta, “gratidão” e “prudência” também aparecem cada vez menos. Agora pense com que frequência dizemos e ouvimos “eu quero”, “eu posso” e “eu faço”, conjugando todos os verbos na primeira pessoa do singular, como se a vida só fizesse sentido se eu estivesse em primeiro lugar. Este cenário vai ao encontro da conclusão do trabalho de três pesquisadores (Jean M. Twenge, W. Keith Campbell e Brittany Gentile), citado em artigo do colunista David Brooks do jornal americano The New York Times. Com base na prateleira do Google que tem mais de 5,2 milhões de livros, eles descobriram que entre 1960 e 2008 expressões individualistas ofuscaram as com caráter comunitário. Em quase 50 anos, frases com “família”, “tribo”, “coletivo” e “bem comum” perderam espaço para “personalizado”, “próprio” e “único”. Não bastasse isso, as irmãs britânicas Pelin e Selin Kesebir, ao selecionarem expressões relacionadas à excelência moral e virtude, nos livros em inglês, editados entre 1901 e 2001, constataram declínio esmagador no uso de palavras como “caráter”, “consciência”, “dignidade” e “retidão”. O discurso contemporâneo revela o paradoxo que vivemos no ambiente urbano, no qual a sensação de se viver em comunidade se esvai por mais que estejamos aglomerados em prédios e conjuntos residenciais. Se o resultado disso é a forma conturbada e egoísta com que nos relacionamos, por que não começamos a mudar a vida da cidade pelas palavras? Assim que terminar essa leitura, cumprimente quem passar por você na calçada, apresente-se àquele rapaz que lhe dá bom dia na chegada ao trabalho, peça licença para entrar e dê licença para o pedestre que precisa atravessar. Se houver alguém no elevador quando a porta abrir, tire os olhos do smartphone por alguns instantes apenas. Aproveite para perguntar ao vizinho se está tudo bem. Aliás, boa oportunidade para saber o nome dele. No trânsito, na escola, no escritório ou na padaria, a qualquer momento do dia, abuse do “obrigado” e do “por favor”. Faça isso por nós e por São Paulo, por favor!



Milton Jung

Disponível em: http://epoca.globo.com/